natureza concreta
O sol nascia por trás do portão de madeira, tingindo de ouro as folhas dos coqueiros e a areia ainda fria. O mar sussurrava seu ritmo antigo, e, por um instante, tudo parecia no lugar certo. O corpo, o tempo, o olhar. Depois de meses de movimento e turbulência, voltei à natureza — e nela, tudo se reacomodou.
Há algo profundamente restaurador no simples ato de estar. Talvez, mais do que um ato, seja uma permissão: sentir a terra sob os pés, observar o céu mudar de cor, deixar o tempo seguir seu curso natural. Entre o ruído das cidades e o silêncio do mar, percebo que a vida acontece nessas passagens — entre o concreto e o vento, o dentro e o fora, o fazer e o ser.
Durante anos, explorei o tema da natureza nas cidades — dos parques urbanos aos corredores verdes — sempre buscando a coexistência entre o natural e o construído. Este tema retorna em ciclos, e hoje se apresenta novamente, não como estudo, mas como experiência. Aprendi a desconfiar das fórmulas fáceis — como as chamadas “soluções baseadas na natureza” — quando o natural vira modelo, recurso ou produto. A natureza não é um padrão a replicar, é uma relação a compreender. Antes de projetar, é preciso escutar.
Em muitas tradições antigas — indianas, chinesas, indígenas — não existe essa separação entre cultura e natureza. Tudo é tecido, tudo respira junto. Penso nos nós que nos unem: as pontas que se entrelaçam, que se fortalecem quando atadas, que criam vínculos quando se apertam. Somos feitos dessa mesma trama – e, quando nos conectamos, criamos sentido.
Nesse tecido maior, a família é muitas vezes nossa primeira paisagem: uma natureza humana que nos precede e nos forma. Antes das cidades, dos projetos e das escolhas, aprendemos o mundo na proximidade dos afetos, dos sabores, das vozes e das memórias. A cultura começa no corpo e na casa — e é por isso que voltar à natureza também desperta o que há de mais antigo em nós.
Perceber é mais do que reconhecer. Percebemos significados, e não apenas existências. Quando me permito perceber — pelo tato, pelo olfato, pelo som das ondas — entro em diálogo com o mundo. Cada gesto, cada sensação, é uma forma de participação: fazer parte e, por um instante, ser o próprio tecido do todo.
O portão daquela casa na praia tornou-se símbolo desse limiar: o que separa e, ao mesmo tempo, une o dentro e o fora. Do lado de lá, o ruído das urgências; do lado de cá, a respiração da terra. Talvez o que chamamos de casa seja isso — o lugar onde natureza e cultura se reconhecem. Voltar à natureza foi voltar a essa casa maior — e, ao mesmo tempo, àquela que habita em mim.
Em Portugal, descobri que o que antes era “pertencimento” tornou-se “pertença” — o mesmo sentido, outro corpo. De masculino a feminino, de conceito a estado. Talvez seja esse o aprendizado mais simples e mais profundo: no fim, pertencemos ao lugar onde podemos estar inteiros — e esse lugar, primeiro, é interno.
Com o nascer deste novo ciclo, abro novamente as leituras de mapa natal védico — um convite para olhar o seu próprio amanhecer interior. Assim como o sol que desponta no horizonte, o mapa revela o ponto exato onde céu e terra se encontram em você.
fotografia de Fernanda Curi, Bahia, 2025.